terça-feira, 10 de agosto de 2010

Como Escolher Seu Médico

Uma Reflexão Sobre a Relação Médico Paciente



Perto de completar 20 anos de formado, por uma das mais conceituadas faculdades de ciências médicas do País, a UFRJ, fui levado a refletir sobre a prática médica atual, ao receber uma destas muitas apresentações de slides que circulam pela internet, em meio a muitas outras baboseiras sem maior interesse, intitulada “Onde andará o meu doutor? A apresentação, supostamente feita por um paciente, fala sobre o distanciamento entre médico e o paciente, e a crescente comercialização da medicina, a qual deixou de ser arte para ganhar um cunho comercial, esvaziada de sua premissa: Aplacar a dor sem fazer mal! Muitas mudanças no cenário da saúde contribuíram para que chegássemos a situação atual, sem que, contudo, possamos culpar a qualquer um dos personagens e agentes desta história.

Quando analisamos a crescente participação dos planos de saúde no chamado mercado suplementar, observamos o desaparecimento progressivo do chamado médico particular ou de família. Até o fim dos anos 70 e início dos 80 ainda era comum as famílias de classe média e alta, contarem com um médico de sua referência, a quem procuravam, independente de sua especialidade, para aconselhamento e primeira consulta. A medida que as operadoras de saúde iniciaram o credenciamento de médicos e ampliaram suas redes de atendimento, os pacientes passaram a não mais referir-se a um único médico conselheiro no caso de uma necessidade, mas, outrossim, trocaram o contato humano por referências em um livro de credenciamentos ou pelas emergências conveniadas. Iniciou-se assim uma prática pela procura direta por especialistas, baseados em premissas leigas, muitas vezes equivocadas e a emergências superlotadas de problemas, em mais de 95% dos casos, não emergenciais. Tal prática leva muitas vezes os pacientes a uma peregrinação pouco resolutiva e bastante perigosa, sem contar a oneração desnecessária do sistema de saúde, uma vez que mais consultas significam mias exames e mais honorários a serem pagos pelas operadoras. Cabe lembrar que os custos finais acabam sempre voltando ao usuário na forma de mensalidades mais caras.

Mas e o médico? Qual a sua participação nesta história? Na procura por clientes, muitos profissionais aceitaram o credenciamento pelas operadoras de saúde, algumas vezes motivados pelo medo de esvaziamento dos seus consultórios. Ao mesmo tempo em que crescia a disputa por credenciamento as operadoras, oportunamente, reduziram progressivamente os valores dos honorários, tanto para consultas como para procedimentos como cirurgias ou exames. Vendo-se esvaziado de seu ganho unitário por consulta, restou ao profissional aumentar o número de atendimentos por período, resultando na redução do tempo de consulta e na procura por outras formas de melhorar seus honorários. Conseqüentemente está cada vez mais difícil encontrar médicos clínicos sejam generalistas ou especialistas, pois o atrativo dos exames complementares e procedimentos cirúrgicos ainda é maior.

Hoje encontramos o cenário da saúde centrado em exames complementares de alto custo, esvaziado da presença da história e exame clínico, capazes de diagnosticar e permitir tratamento em 90% dos casos, sem a necessidade de exames complexos! Para colher uma boa história clínica, na primeira consulta, demanda cerca de 15 min em média, somando-se mais 5 a 10 min de exame clínico e outros 5 a 10 para esclarecimento ao paciente de sua condição e orientação terapêutica. Fica claro, portanto, que uma consulta de primeira vez deve ter no mínimo cerca de 30 min, fora um pouco de tempo para um “papo” informal onde aprendemos muito sobre nossos pacientes e quando conquistamos definitivamente sua confiança. Ao menos foi assim que aprendi durante minha formação médica e posso afirmar , após 20 anos, que estes conceitos não mudaram!

É curioso como somos influenciados e levados pela corrente do tempo, sem meditarmos no que efetivamente de novo é bom ou ruim para nossa vida. Até receber a referida apresentação, vinha sendo mais um participante deste contexto da saúde, julgando-me jurássico pela prática clínica centrada em uma especialidade com um número cada vez menor de profissionais (sou neurologista) e por primar pelo atendimento à moda antiga, sem visar o número mas a qualidade do atendimento prestado. Cheguei até mesmo a questionar-me se não deveria render-me aos novos tempos! Bendita apresentação que, quase pueril em sua forma, despertou-me esta reflexão. Quando o profissional de saúde deixar de ter o paciente e seu bem estar como foco de sua prática, deve deixar sua prática!

Cabe ao necessitado enfermo exigir, sim, exigir tratamento digno por parte do profissional de saúde e das operadoras. Não podemos aceitar dificuldades em marcar consultas com intervalos superiores a alguns dias úteis, aguardar horas em salas de espera para sermos atendidos e ao chegarmos a sala de consulta sairmos em poucos minutos, carregados apenas de uma receita e de diversos pedidos de exames, sem qualquer esclarecimento e atenção. Devemos cobrar das operadoras uma rede de generalistas e especialistas capazes e bem remunerados, aptos ao atendimento necessário e cordial, sem longas esperas na marcação de consultas ou na recepção dos consultórios. Você pode e deve queixar-se as operadoras sobre seus credenciados e a própria Agencia Nacional de Saúde (ANS) sobre as operadoras.

Reflita você também em quais devem ser as verdadeiras qualidades de atendimento médico de excelência!



* Dr. Luiz Alexandre é Neurologista

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