sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Transtorno Afetivo Bipolar

As descrições do que chamamos hoje transtornos do humor têm sido feitas desde a antiguidade, podendo ser encontradas em muitos textos antigos. Em 1899, o psiquiatra alemão Emil Kraepelim, elaborando sobre conhecimentos de psiquiatras franceses e alemães anteriores, descreveu a Psicose Maníaco-Depressiva, que continha a maioria dos critérios diagnósticos utilizados atualmente para o estabelecimento do Transtorno Bipolar. Atualmente, este nome não é mais utilizado, principalmente porque nem todas as pessoas acometidas pela doença apresentam sintomas psicóticos, ou seja, a perda do limite de realidade. Trata-se de uma doença caracteristicamente do humor.
O humor pode ser normal, elevado ou deprimido. Todos nós experimentamos alterações no humor, os chamados "altos e baixos", com suas igualmente variadas expressões afetivas. Nos transtornos do humor, perde-se o senso de controle dos humores e afetos. Acometem homens e mulheres na mesma porporção, podendo ter início da infância (5 ou 6 anos) aos 50 anos, ou mesmo depois (em casos raros), com uma idade média de 30 anos. Sua causa é desconhecida, estando envolvidos fatores genéticos, biológicos e psicossociais.
A principal característica da doença é a alternância de estados distintos de humor, como a depressão e a mania, intercalados por períodos onde o humor é predominantemente normal. Podem também ocorrer estados mistos (presença simultânea de sintomas depressivos e maníacos) e sintomas psicóticos. Os pacientes na fase depressiva apresentam perda do interesse, da energia, sentimentos de culpa, dificuldades de concentração, alterações do apetite, idéias suicidas e até tentativas, nos casos mais graves. Os pacientes na fase maníaca (ou seja, com humor elevado) mostram sintomas contrários (daí o termo "bipolar"): expansividade, euforia, auto-estima elevada, aumento da energia, da sexualidade e com pouca necessidade de dormir. O pensamento se torna acelerado, mudam de um assunto para outro rapidamente, tornam-se compulsivos, fazendo compras e gastos excessivos. Sintomas como agressividade, irritabilidade e impulsividade são comuns. Os sintomas psicóticos, quando presentes, são relacionados ao humor vivido pelo paciente, podendo ser idéias de ruína (na fase depressiva) ou de grandeza (na fase maníaca). Neste caso, é comum pacientes julgarem-se pessoas importantes, donos de grandes empresas, artistas, ou detentores de poderes especiais.
O Transtorno Bipolar pode ser dividido em tipos I e II, com ou sem sintomas psicóticos. O tipo I é o tipo clássico, onde há alternância entre episódios maníacos e depressivos. Já no tipo II, há alternância entre episódios hipomaníacos e depressivos. A hipomania é uma alteração do humor semelhante à mania, porem, com menos intensidade.
Não há exames específicos para a determinação do diagnóstico, que é essencialmente baseado no exame psiquiátrico detalhado. Devem ser pesquisados e excluídos o uso de substâncias, como medicações para emagrecer, alcoolismo e abuso de drogas ilícitas, como a causa da alteração do humor, mas podem ocorrer paralelamente, no que chamamos de comorbidade.
É de extrema importância frisar que a carência de lítio não é uma das causas do transtorno bipolar nem de depressão, como muitas pessoas pensam. O lítio é um mineral presente na natureza e em nosso organismo seus níveis são muito pequenos, geralmente indetectáveis. Por mecanismos de atuação ainda desconhecidos, descobriu-se que sua administração no Transtorno Afetivo Bipolar e em determinados tipos de depressão é benéfica, devendo a medicação ser dosada regularmente no sangue, para que o psiquiatra possa determinar se seu nível encontra-se na faixa terapêutica, ou seja, num valor considerado seguro e eficaz para a estabilização do paciente.
O tratamento dos transtornos do humor deve ser dirigido para vários objetivos: garantir a segurança do paciente (em alguns casos, a hospitalização é indicada), uma completa avaliação diagnóstica e um plano de tratamento que aborde não apenas os sintomas imediatos, mas também o bem-estar futuro do paciente. O psiquiatra deve integrar a farmacoterapia com intervenções psicoterapêuticas. Os estabilizadores do humor, antipsicóticos e antidepressivos são largamente utilizados, com resultados positivos tanto no tratamento da fase aguda quanto na manutenção, sendo esta de extrema importância na prevenção de recaídas.
Os muitos estudos sobre os transtornos do humor chegaram à conclusão geral de que o prognóstico tende a ser benigno em grande parte dos casos, o curso a ser longo, e que os pacientes chegam a apresentar recaídas. O acompanhamento médico regular, a conscientização e o entendimento da dinâmica da doença tanto pelo paciente quando pela família, bem como a observação dos sintomas de uma possível recaída são fundamentais. Com estas medidas, muitos pacientes com Transtorno Afetivo Bipolar conseguem se manter estáveis durante longos períodos, obtendo níveis satisfatórios de sua produtividade e vida social e familiar.


* Dr. Adriano Gannam Rodrigues da Cunha é Psiquiatra

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